Como são Laniakea e o Arco Gigante, duas das
maiores estruturas do Universo
Como seria a LaniakeaImagem: BBC
22/08/2022 11h38
São inconcebivelmente grandes -- e desafiam
não apenas nossa imaginação, como um dos princípios fundamentais da cosmologia
moderna.
Qual é a maior coisa que você consegue
imaginar?
Sem dúvida você tem uma resposta porque,
felizmente, a cultura e a ciência nos acostumaram desde o início dos tempos a
superar os limites dos sentidos, para que povoem nossas mentes noções tão
inconcebíveis quanto o Universo, que além de ser um lugar é um conceito
maravilhoso.
E com a ajuda da tecnologia somos capazes de
ver o que nossos olhos não conseguem perceber.
Mas qual é a maior coisa que conhecemos?
Para encontrá-la, você precisa dar uma espiada
no cosmos, então dê asas à sua imaginação! O professor Jim Al-Khalili, físico
teórico que apresentou o documentário da BBC Secrets of Size: Atoms to
Supergalaxies ("Segredos do Tamanho: de átomos a supergaláxias",
em tradução literal), vai nos guiar nesta busca.
Km, UA e anos-luz
Já que vamos falar de imensidão, você precisa
se acostumar com dimensões incompreensíveis.
Nosso planeta tem 12.700 quilômetros de
diâmetro; o Sol é mais de 100 vezes maior.
A massa do Sol é a fonte de seu imenso poder
gravitacional sobre todo o Sistema Solar.
E a distância entre a Terra e o Sol é um
número muito significativo na astronomia.
No espaço, as distâncias são tão grandes que o
uso de quilômetros logo se torna impraticável — por isso, os astrônomos criaram
suas próprias unidades de medida.
Uma delas é a unidade astronômica (UA), que
equivale à distância entre nosso planeta e nossa estrela: quase 150 milhões de
quilômetros.
A cerca de 100.000 UA do Sol, há uma esfera de
objetos gelados chamada nuvem de Oort.
É uma estrutura massiva e, nestas escalas,
começamos a usar uma nova unidade de medida: a distância que a luz pode
percorrer em um ano — 9,46 trilhões de km.
A nuvem de Oort tem cerca de três anos-luz de
diâmetro.
Agora, sim, com o que é necessário para medir
as maiores estruturas conhecidas, vamos deixar para trás nosso Sistema Solar
para encontrá-las.
O tamanho do Universo
Imagem: BBC
Agora sabemos que a bela faixa de estrelas que
às vezes podemos ver estendida no céu noturno é a Via Láctea, nossa galáxia.
E em grande parte graças à astrônoma
Henrietta Swan Leavitt, que trabalhou no Observatório de Harvard há cerca de
125 anos, sabemos que não é a única.
Há galáxias de todas as formas e tamanhos.
Elas vão de anãs, talvez apenas um décimo do tamanho da Via Láctea, a gigantes,
muitas vezes maiores.
Acredita-se que existam até 2 trilhões de
galáxias no Universo observável.
A questão é: todas estas galáxias simplesmente
flutuam sozinhas, movendo-se serenamente pelo espaço como viajantes solitárias,
ou se unem como parte de estruturas ainda maiores?
E como podemos responder a esta pergunta?
Felizmente, para ajudar a resolver este
enigma, os cosmólogos podem aproveitar um fenômeno bastante peculiar com o qual
todos estamos familiarizados aqui na Terra: o famoso efeito Doppler.
Vai e vem
Pense em uma ambulância. Conforme ela se
aproxima de você, o tom das sirenes é alto, mas quando ela se afasta, o tom
cai.
Esse efeito ocorre porque, à medida que se
aproximam, as ondas sonoras se agrupam, encurtando o comprimento de onda e
elevando o tom. E quando se afastam, as ondas se espalham, baixando o mesmo.
As ondas de luz fazem a mesma coisa.
Quando uma fonte de luz se move em nossa
direção, seus comprimentos de onda são mais curtos, o que as move para a
extremidade azul do espectro. À medida que se afasta, as ondas se deslocam para
o vermelho.
Assim, ao medir o espectro de luz emitido por
um objeto cósmico, os astrônomos podem dizer se está se aproximando ou se
afastando de nós.
Esse é um dos usos da chamada espectroscopia.
Com esta técnica e outras observações, agora sabemos que as galáxias se movem
pelo espaço de maneiras complexas.
Sob a influência do vasto poder da gravidade,
muitas delas se unem no que são conhecidos como grupos de galáxias, formados
por até 50 galáxias.
Esses grupos podem ser atraídos para
estruturas maiores, chamadas aglomerados de galáxias, de talvez 1 mil ou mais
galáxias.
E esses aglomerados podem se agrupar, formando
as maiores estruturas conhecidas no Universo: os superaglomerados de galáxias.
Eles consistem em milhões de galáxias e podem
se estender por distâncias superiores a 100 milhões de anos-luz.
Nosso superaglomerado
Nos últimos anos, os cosmólogos descobriram o
superaglomerado de galáxias do qual fazemos parte.
Quando nos movemos para escalas além da nossa
imaginação, o Universo se comporta de maneira extraordinária (A Nebulosa do
Coração, no Braço de Perseus da Via Láctea)
Na última década, a professora Hélène
Courtois, da Universidade de Lyon, na França, vem trabalhando com uma equipe
internacional de astrônomos na tarefa épica de mapeá-lo.
Courtois se descreve como uma cosmógrafa,
tentando "descobrir onde estão as outras galáxias em comparação com a
nossa, medindo distâncias e coordenadas no céu".
"Minha especialidade não é apenas fazer
mapas, mas mapear os movimentos das galáxias no Universo. Sou uma cosmógrafa
dinâmica", disse ela à BBC.
Primeiro, Courtois e seus colegas traçaram as
posições de muitas milhares de galáxias, criando mapas 3D intrincados como
este:
Imagem: BBC
Cada galáxia é apenas um pequeno ponto.
Eles mediram então o espectro de luz de cada
galáxia para ver se era azul ou vermelho, o que indicou em que direção se
moviam e a que velocidade.
Imagem: BBC
Eles encontraram dezenas de milhares de
galáxias fluindo na mesma direção, formando um superaglomerado gigante.
"É como um baile em uma parte do espaço.
Seus movimentos estão correlacionados: não são movimentos aleatórios, viajam
juntas."
"E foi assim que fizemos esta
descoberta."
Laniakea
Em 2014, eles fizeram o anúncio surpreendente:
haviam mapeado o superaglomerado gigante em que reside nossa galáxia.
Seu verdadeiro tamanho é incompreensível para
nossas mentes, confinadas às nossas escalas, formas e tamanhos terrestres.
Mas há paisagens aqui no nosso planeta que
podem nos dar uma ideia.
Para nos ajudar a entender como são estes
superaglomerados de galáxias, cosmógrafos como Courtois costumam usar a
analogia de um sistema fluvial, com riachos que fluem para os rios, que se
dirigem para o mar.
Nas maiores escalas do Universo, as galáxias
se movem juntas pelo espaço ao longo de caminhos que lembram rios.
E, assim como o poder da gravidade faz com que
as gotas de chuva caiam nos córregos, e os córregos desçam para os rios, as
galáxias são atraídas pelo imenso poder da atração gravitacional em direção a
uma enorme concentração de massa.
Vamos imaginar como é a Laniakea.
É o nosso lar no Universo
Imagem: BBC
Cada um dos pontos acima é uma galáxia. Cada
uma das linhas é um caminho que elas seguem.
Todas as galáxias estão sendo arrastadas por
forças gravitacionais incríveis ao longo destas vias em direção a uma massa
central chamada Grande Atrator.
O Grande Atrator permanece sendo um mistério,
mas acredita-se que tenha a massa de trilhões de sóis.
Laniakea contém cerca de 100 mil galáxias como
a nossa — e 100 trilhões de estrelas. Ela se estende por meio trilhão de
anos-luz.
Daí o seu nome, Laniakea, termo que significa
'céu imenso' em havaiano.
Uma incógnita gravitacional
Esses superaglomerados gigantes estão apenas
sendo descobertos, então só agora estamos começando a ter uma ideia de como
funcionam.
Das escalas terrestres à rotação das galáxias,
a força da gravidade é bem compreendida pelos físicos.
Mas isso não significa necessariamente que
entendemos como a gravidade mantém estes superaglomerados gigantes unidos.
Assim, cosmólogos como Courtois usam
superaglomerados para investigar o funcionamento da gravidade nas escalas
maiores.
"Funciona como na Terra? Sempre foi a
mesma desde o início dos tempos?"
"Do infinitamente pequeno ao
infinitamente grande, a gravidade é a principal questão da física do século
21."
"Ainda não a compreendemos
completamente."
Uma resposta confusa
Ao estudar superaglomerados, alguns cosmólogos
estão começando a questionar alguns dos princípios científicos mais preciosos.
De acordo com nosso modelo atual de
cosmologia, as leis da física indicam que estruturas muito maiores que Laniakea
não podem existir.
De acordo com a teoria atual, após o Big Bang,
a matéria se espalhou uniformemente por todo o cosmos, porque as mesmas forças
atuaram por igual em tudo.
O poder da gravidade uniu as galáxias e depois
os aglomerados de galáxias.
Mas acima de um certo tamanho, a gravidade é
fraca demais para unir estruturas.
Esse é o "princípio cosmológico", e
é um dos pilares fundamentais da cosmologia moderna.
Mas descobertas recentes lançaram algumas
dúvidas sobre este conceito extremamente importante.
Surpreendentemente, uma destas descobertas foi
feita por uma estudante.
Serendipidade
Alexia Lopez estuda no Instituto Jeremiah Horrocks da Universidade Central de Lancashire, na Inglaterra
Imagem: BBC
Alexia Lopez ensina violino para ajudar a
financiar seu doutorado e, ao fazer sua pesquisa, encontrou algo notável.
"Foi realmente emocionante. Meu
supervisor teve a ideia de usar uma nova técnica para mapear o que há no
Universo, e me deparei com esta grande estrutura gigante."
"Foi completamente por acaso."
O método engenhoso que Alexia usou envolveu
objetos muito distantes chamados quasares.
São centros imensamente brilhantes de galáxias
a bilhões de anos-luz de distância, que acredita-se serem alimentados por
buracos negros supermassivos.
Alexia os usou para iluminar cantos escuros do
Universo.
"Há galáxias e aglomerados de galáxias
que não poderíamos ver sem os quasares porque sua luz é muito fraca e estão
muito distantes. Mas os quasares agem basicamente como a luz de uma
lanterna."
Mas ela notou que, à medida que sua luz
viajava por uma galáxia, nem toda ela passava.
"Parte da luz era absorvida e, portanto,
tinha que haver matéria ali a bloqueando."
Usando este método, Alexia criou um mapa 3D de
uma grande parte do Universo — e encontrou um padrão.
Imagem: BBC
As manchas vermelhas no gráfico de Alexia são
todas galáxias ou aglomerados de galáxias, e juntas elas parecem formar uma
estrutura gigante em forma de arco.
"Usamos três testes estatísticos
diferentes, e todos os três mostram que o Arco Gigante é, na verdade, mais do
que apenas um fluxo aleatório."
Um princípio à prova
Por que esta descoberta é tão inesperada e
emocionante?
"Por causa do princípio cosmológico, que
diz que nas escalas maiores não deveria haver nenhuma estrutura ou padrão no
Universo."
"O princípio cosmológico tem um limite de
corte específico, e estima-se que é de cerca de 1,2 bilhão de anos-luz. Mas o
Arco Gigante mede mais de 3 bilhões de anos-luz, então levanta a questão de
como algo assim pode se formar."
De acordo com nossa compreensão atual da
cosmologia, é grande demais para se manter unido pela gravidade.
E não é a única superestrutura encontrada.
Há outras ainda maiores, como a Grande Muralha
Hércules-Corona Borealis, que acredita-se ser três vezes maior que o Arco
Gigante.
Esse capítulo desta história está apenas
começando, mas pode ser um divisor de águas, pois todas as nossas teorias de
como o Universo se formou após o Big Bang são baseadas no princípio
cosmológico.
"Ainda é muito cedo, mas tudo está
construído sobre essa suposição, então é como tirar a peça de baixo de um
quebra-cabeça de jenga... tudo desmorona", explica Alexia.
Por isso, essas não são apenas as estruturas
nas escalas mais alucinantes que já encontramos — elas também desafiam nossas
crenças mais preciosas, transformando tudo o que pensávamos saber sobre como o
Universo se comporta e como chegamos até aqui.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62630268
O espaço me fascina.
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